terça-feira, 12 de março de 2013

Vai, Curíntia, perder a virgindade!



Quando meu pai me ligou, eu jamais pensei que fosse me fazer um pedido daqueles. Ele não é de telefone. Todos as broncas e problemas e dúvidas e cobranças ele estapeia por emails curtos, calçados com uma assinatura impessoal: o nome completo – o que nunca achei carinhoso para uma filha. Então quando meu celular se contorceu em cima da mesa, eu tive certeza de que seria algo sério, como aquelas ligações que acontecem antes das dez da manhã e depois das dez da noite, principalmente nas madrugadas. É sempre morte. (bate na madeira)

Ainda era manhã, mas eu já recebia piadinhas, mantras, orações, energias (positivas e negativas) por todos os buracos em que as pessoas podem me localizar: facebook, twitter, telefone, email, porta da minha sala, correio elegante. O jornal, o corredor da firma, as ruas, o Brasil só tinham um tema: a perda do cabaço corintiano, sua estreia nos lençóis verdes da Libertadores.

Um espermatozoide já se enfiava na minha cabeça desde o café-da-manhã, quando me agarrei com inúmeras matérias sobre a primeira vez do timão, seus jogadores e conquistas, previsões de resultado. Apesar do ódio aos corintianos - cultivado graças a um garotinho do meu prédio, que vivia enfiado dentro de uma camiseta alvinegra e que catarrava na minha cabeça, porque eu era branquela e, como qualquer garotinha loira do primário, que usa cor-de-rosa, apelidada de Maria Joaquina, devia ser mesmo insuportável – eu queria mesmo era torcer pro.

Vem pra casa! Vamos torcer pro Boca!

Meu pai cortou minhas fantasias. Boca? Argentinos? Não tenho nada contra eles, isso é coisa de homem. Mulheres amam os argentinos e seus mullets e o sotaque de galã enrolador. Mas.

Eu teria coragem de pular a cerca com o Corinthians?

Sempre gostei de fazer parte da bagunça, resquícios de uma carência adolescente: nunca fui popular no colégio. E nunca seria, com o meu currículo: boa aluna, beijei tarde, era alvo de tiros de salgadinhos no recreio, não me convidavam pras festas badaladas de quinze anos e no time de handebol eu era goleira - nerds são proibidos de desejar posições de ataque. Eu estava na bagunça. No metrô, entupido de torcedores excitados. Flertei com a animação alvinegra. Sorri aos grupos, como se desejando boa sorte.

Vai, Curíntia! espirrava por todos os orifícios do país. Pensei num negócio: Danço o Tchu Tcha de cinta-liga na Avenida Paulista se nenhum gambá gritou Vai, Curíntia! transando com alguém. As musiquinhas também animavam. Me lembrei do primário, quando tinha gincana no colégio e, por algum motivo, eu era sempre da equipe vermelha - ainda bem, o amarelo não me realça. É nostálgico observar pessoas vestidas iguais, cantando frases infantis sobre vitória. Quase dá vontade de entrar nessa suruba, apesar do respeito à família palmeirense.

Em casa, a TV ligada no jogo e eu, no frango à passarinho e na cerveja. De vez em quando bisbilhotando a performance das pernas masculinas. De vez em quando.

Dois gols que me arrancaram um suspiro de prazer. Cuidei para que me pai não me flagrasse no ato, traindo a família.

No final da noite, o Ano Novo no Brasil. Fogos de artifícios ejaculando no céu. Buzinas metendo no silêncio da madrugada. Torcedores urrando de emoção: a perda do cabacinho da torcida mais fiel que existe. Vai, Curíntia!


Leia a coluna no site do Terceiro Tempo.

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