terça-feira, 12 de março de 2013

Tem misericórdia de mim, torcedor!


De camisola e já debaixo do cobertor, abençoada pelo escuro do quarto, rezei baixinho: Pai Nosso que estais ligado na Libertadores, dai silêncio às comemorações ou surdez aos meus ouvidos mortos de sono, durante esta sagrada Semifinal. Livrai-me de acordar com os gols. Amém.

Não sei se fui mordida pela mosca do sono, se tenho jantado feijoada ou trabalhado demais. Acontece que tenho dormido intensamente, desmaiado numa cama que mais parece a manjedoura quentinha do menino Jesus; e que me abraça como mãe. Tenho certeza que tu, leitor, pessoa normal, és feliz até com cinco, seis, sete horinhas de sono. Eu preciso de doze para ressuscitar animada. Invejo-te.

Meu sono tem me encurralado durante as vinte e quatro horas do dia. Não há litro de café salvador. Sinto-me uma pastorinha a ouvir carneiros, em vez do barulho da minha cidade, que é quase a insuportável estridulação dos gafanhotos em um ataque. Um carneiro, dois carneiros e não chego nem no terceiro, já estou sonhando.

Por isso eu rogo, torcedor, não estoures os rojões perto do meu quarto, quando ganhar esse jogo. Não urres pelas ruas. Não inventes partidas de futebol nessa madrugada, porque não quero acordar com o grito da minha janela espatifando. Comemora a vitória dentro de um copo, dum carro, duma sala abafada por embalagens de ovos. Espalha a alegria por mensagens de texto. Benditos seriam os balões, não fossem perigosos. O silêncio, eu te suplico.

Acordei como se não houvesse desafiado uma noite de quarta-feira. Dormi como anjo. Atravessei um mar vivo, escandaloso de gols e fúria; e sobrevivi. Concebi doze horas de sono contra as sete que costumo parir, em toda madrugada de decisões importantes no gramado.

Não me crucifiques, torcedor, pelo meu pecado. Violei um importante mandamento brasileiro: ignorar o caderno de esportes no dia seguinte. Qual dos times atingiu o Paraíso? Não caio em tentação de cobiçar conteúdo futebolístico. Eu, a ovelha negra de um país que idolatra o futebol. A filha desertora. Perdoa, Pai.



Leia a coluna no site do Terceiro Tempo.

Nenhum comentário:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...