terça-feira, 12 de março de 2013

CERVEJA PRA ACOMPANHAR O JOGO: LEVANTE E PEGUE A SUA


Eu não acho justo que alguém peça pra parar o que estou fazendo - e aí, amigo, pode ser  embaixadinha, miojo, unhas ou sudoku - pra satisfazer seu desejo.

Batíamos uma bola, eu e um amigo. Falávamos daqueles que empataram nossas vidas e dos que foram artilheiros, quando meu irmão interrompeu da janela e gritou por mim. Pediu cerveja. Eu achei bem injusto, vindo de uma pessoa em perfeitas condições físicas, que quebrou a clavícula duas vezes, mas foi há tanto tempo que nem se nota. Uma pessoa que sabe o caminho para a cozinha. Uma pessoa com acesso livre à geladeira, a morada de toda cerveja com vergonha na cara.

Se até o Homer Simpson caça uma cerveja Duff sozinho, meu irmão também seria capaz. Eu já deixei a TV e o sofá pra abrir a geladeira em situações muito mais importantes, do que um jogo de futebol: o filme do Ryan Gosling, que tem tudo a ver com o bolo de brigadeiro da tia Dulce.

Sou muito ansiosa e tenho uma necessidade estranha de responder logo a uma pergunta. Quando eu termino a resposta, a pessoa ainda está perguntando. É feio, eu sei. Mas é incontrolável. Por conta disso, a minha primeira resposta é sempre Não. Se eu digo Sim, desse jeito apressado que tenho, posso me arrepender na sequência. Vai que é um convite pro jogo do Corinthians.

Um Não bem redondo foi o que eu disse pro meu irmão, que tem duas pernas perfeitas e dois braços perfeitos, graças a Deus. Não vou pegar a cerveja pra você, seu, seu garoto perfeito!

Ele sempre foi assim, tinha preguiça até de se levantar da cama pra apagar a luz do quarto antes de dormir. Berrava o meu nome, pra me atrair pra perto do interruptor, e conseguia. Eu caía sempre. Com raiva, largava ele sozinho no quarto ainda iluminado, pra ele mesmo realizar a tarefa. Meu irmão passava os minutos antes de dormir tentando acertar o botão com chinelos e chuteiras e fitas de videogame. Mas nunca. Nunca se levantava da cama.

A cerveja que eu neguei deixaria o jogo de futebol mais divertido. Na minha opinião, só assim pra ver algum sabor nesse esporte. Descubro que o jogo na TV é do Corinthians. Meu irmão me fez parar tudo o que eu estava fazendo, porque precisava prestar atenção no jogo do Corinthians. Do Corinthians. Ele é pal-mei-ren-se. Silêncio. Eu sei que você achou normal, mas eu nunca vou entender essa necessidade de ver os outros times em campo. Ler algum site no dia seguinte pra saber o resultado não basta?

Por que ele não podia descolar os olhos da TV? Jogadores não marcam gols quando tem torcedor de costas. Fiquem tranquilos, é lenda. Se bem que numa Copa saí dois minutinhos pra fazer xixi e o Brasil tomou um golaço, que resultou na eliminação.  Me culpo até hoje.

Trinta segundos depois da minha negação, já estou sufocada de arrependimento. Eu sempre me arrependo por ser chata. Mas me arrepender por ser chata, não me faz deixar de ser chata, logo não devo me arrepender tanto assim. Aí, a chata arrependida vai pra geladeira e pega três - não uma, não duas, mas três - cervejas geladas. Levo um baldinho com gelos também, porque afinal. Eu entrego as cervejas resmungando baixinho, com a cara bem franzida. Tem horas em que a gente tem de se impor. Ele vai perceber que foi folgado, como na fase em que não apagava a luz com as mãos. Meu irmão abre a primeira garrafa sem me notar. Sem me agradecer. Decido preparar um cu-de-burro, porque tomar cerveja em casa sem o limãozinho com sal não tem graça. Ele abre a segunda e ainda não me enxerga. Se eu desmaiar na frente da TV agora, ele jogaria meu corpo pra um cantinho sem tirar os olhos da tela. Penso em falar alguma coisa, mas ele não escutaria. Antes que abra a terceira cerveja, digo que se quiser mais, é só pedir. Que deixei duas pra ele trincando no freezer. Ele agradece com um ruído. Eu acho.

Leia a coluna no site do Terceiro Tempo.

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