domingo, 31 de agosto de 2008

HIATO


O que fica é a temperatura quente do mar. A contagem das ondas. As conchas. A cadeira dura. Uma canga na areia. Cervejas. Um peixe com baião. Uma foto. Dentes aparecidos. Meu coração transformado em pedra. Atirado na água. Afunde e não volte à superfície! Nem para me bajular. Fique com os peixes-fastasmas. Que eu fico com o sol esquentando os ombros. Em um passeio nas dunas. Em uma pausa no lago. Deixo a dor, levo os danos. Que a ingenuidade da pele alva que um dia conheceu não volta. Dela, o que fica é a transparência de sempre. Que não teatralizará o primeiro não.


segunda-feira, 25 de agosto de 2008

DESPEDIDA

Despeço-me do sorriso doce. Do jeitinho dado. Do abraço contido. Da foto posada. Do olhar desconfiado. De um encontro escondido. Do disco emprestado. Que fiz questão de riscar com a ponta do salto para gritar de dor sempre que tocar.

Digo adeus à imaturidade. À falta de coragem. Aos seus contatos. Aos seus excessos. Aos textos inspirados. Aos momentos confidenciados ao travesseiro. Aos seus apelos que apertam as minhas mãos. Às músicas que me lembram. Às lágrimas enjoadas da superfície do meu rosto. À ansiedade do dia seguinte a você. A todo o encanto que há em uma história poetizada.

Despeço-me de um olhar desviado. No meio de uma conversa. Entre algumas promessas. E de todos os beijos trocados que eu teria de suportar.

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

CHAT 3

Escolho um boteco sujo. Desses em que baratas andando pelos cantinhos repletos de migalhas de pão e poeira recebem nome e carinho do chapeiro. Sentamos ao lado da máquina de karaokê. A mesa é de madeira. Sem que eu peça, o garçom serve uma Original, dois copos. Traz também uma dose de Nega Fulô, amigo! O homem não tira os olhos de mim. Não são verdes, como os que me deixaram plantado na porta do cinema. Ele me paga! Os olhos do homem são pequenos. É a boca que chama atenção em seu rosto. Tomo um gole da cerveja. Cacete! Gelada, boa. A Nega Fulô vai da mão do garçom para a mesa de madeira para a mão de homem para sua boca. Grande. Bebe como tequila.

- Rola aquele cigarro?

Ele acende com um palito de fósforos que tira de uma caixinha de seu bolso. Calça jeans rasgada, azul clara. E traga.

O homem joga a fumaça em meu rosto. Sorri com sua boca grande e me beija.

- Qual é o seu nome?

Qual é meu nome? Não pago bebida para conhecidos. Pode me chamar de. De Tico. E me beija de novo. Morde a minha boca. Forte. Minha língua prova o sangue em meus lábios. Preciso ir ao banheiro.

No banheiro, ele. Olhos verdes e boné. Ele, canalha. Do jeito que eu gosto.

(Continua...)

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

CHAT 2

... para mim e sorri. Eu:

- Quer um cigarro?

- Você não fuma.

- Não...

- Não estou mais bêbado, obrigado.

- Prazer.

- Igual.

- Quer...?

- Já disse que não.

- Beber.

- Sim, sempre.

- Uma cerveja.

- Cachaça.

- Eu pago!

 

(Continua...)

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

SILÊNCIO


Em vez de ditar-se à boca

a palavra recuou

Mais graça teria

um dedo indicador

contar segredos

à superfície de uma mesa molhada

de gelo

derretendo

no canto do bar

CHAT


Chego atrasado como sempre faço. Largo o carro no estacionamento. Portas abertas. Quase esqueço o comprovante e levo as chaves. O filme está para começar. Ele me esperou?

Um homem, o de sempre, bonito, bem bonito, me pede um cigarro. Ele sempre me pede cigarro. Devo ter cara de fumante. Na volta passarei em uma padaria para comprar um maço. Poderemos conversar da próxima vez.

Ele não está no saguão. Entrou? Ligo. Caixa Postal. Falo com o porteiro. Nenhum homem de boné entrou na sala. A moça da bilheteria deve saber. É alto. Charmoso. Olhos verdes. Ela teria notado. Ele não veio. Mentiu? O caixa do café! Ele parece gostar de café. Parece ter o hálito de café e hortelã. O caixa só vendeu capuccinos hoje. Tem cigarro. Marlboro, por favor. Ele não veio. Teve medo. Eu é que não vou desperdiçar uma noite quente com diálogos mal-escritos. Prefiro jogar xadrez.

Na porta do cinema, o homem, o de sempre. Olha para mim e sorri.

(Continua...)


segunda-feira, 4 de agosto de 2008

O FIM DO BAILE

(Inspiração da semana: espere sentada.)

Espera de pé por uma dança

Quando cansa,

senta-se

Quando procurada,

valsa

Quando tocada,

deita-se

De um lençol marcado,

levanta-se

e veste-se

para contrariar o desejo de quem nela enlouquece

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

SEU NOME

O som surge

A língua seca

O coração breca

 

A mão balança

frenética

O olhar escurece

dramático

 

a garganta entupida

de restos embriagados

hesita

 

A palma sua

Um sorriso tonto

se mistura

ao dia todo

 

Só de ouvir

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